Sobre Masi Elizalde

A Título de Autobiografia

Em novembro de 1999, por ocasião da Jornada Paulista de Homeopatia, juntamente com o colega Fabio Mangolini, realizamos uma entrevista1 com o PROF. ALFONSO MASI ELIZALDE, durante a qual ele nos falou sobre sua vida e evolução do seu pensamento dentro da Homeopatia, e sobre a história e o desenvolvimento da Homeopatia na Argentina:

Acho interessante dizer que o antecedente mais antigo da Homeopatia na Argentina data de 1812, quando San Martin chegou com um cinturão contendo um botequim homeopático. Depois houve na Argentina um médico que foi muito compatível com o que se chamava naquela época de protomedicato, chamado Dr. Darroucin. Nessa época ainda vivia Hahnemann.

Depois a Homeopatia teve um bom resultado nas epidemias de cólera e febre amarela, onde se destacou um médico chamado Dr. Claussolles; o êxito foi tão grande que foi feita uma petição pública para pedir uma faculdade de medicina homeopática ao Congresso Nacional, petição perdida por 2 votos. Foi fundada a Associação Homeopática que publicava um periódico chamado “Sol de Meissen”; uma mulher chamada Joana Manso organizava tudo isso e impulsionava a Homeopatia; além do Dr. Bellgrano que publicou um livro sobre a Homeopatia na Argentina.

Com essa derrota no Congresso Nacional a Homeopatia decaiu na Argentina, não havendo mais publicações ou associações, apenas alguns médicos isolados como por exemplo Dr. Burgos que fazia Homeopatia segundo a Escola Francesa, e que curou uma cirrose alcoólica complicada com ascite, e o Dr. Benavides, que curou um problema crônico de pele numa parteira do Hospital Pinheiros, onde estavam como médicos internos o Dr. Thomas Pablo Paschero e o Dr. Semiche (ginecologistas). Esta parteira comenta com eles que havia se curado de seu problema com Homeopatia quando a medicina convencional não tinha conseguido resultado algum. Ambos foram entrevistar o Dr. Benavides, porém somente Dr. Paschero continuou nos estudos de Homeopatia.

Paralelamente ao que podemos chamar de “história de Paschero” haviam os Drs. Armando Grosso e Godofredo Jonas, que seguiam predominantemente a Escola Francesa, e que junto com Dr. Carlos M. Fish, formaram a Associação Médica Homeopática Argentina, em 1933. Meu pai, Jorge Augusto Masi Elizalde (1901~1959), médico clínico, entrou para Homeopatia após atuar um ano como médico de campanha, tendo aprendido com Dr. Armando Grosso. Foi em Buenos Aires, onde Jorge Augusto Masi Elizalde assume o posto de diretor de uma Clínica de Doenças Venéreas, que passou a ter maior contato com a Homeopatia e o Dr. Grosso.

Na Associação Médica Homeopática Argentina havia complexistas, organicistas e um grupo de kentianos composto por Paschero, Grosso, Jorge Augusto M. Elizalde e Carlos Fish, que se reuniam para conversar sobre Homeopatia.

Paschero estudou com Grimmer (1874–1967) – discípulo de James Tyler Kent (1849–1916) – e trouxe os primeiros livros da biblioteca da Associação Médica Homeopática, entre os quais “Enfermidades Crônicas” de Gathak, que serviu como linha de estudo; porém, começa a explicar a Homeopatia segundo Freud (na década de 40), levando a uma discordância da parte de Jorge Augusto M. Elizalde e Carlos Fish, pois estes acreditavam que a Homeopatia considerava uma dimensão mais profunda do homem do que considerava a psicanálise, e que as enfermidades deviam ser entendidas levando em conta a dimensão espiritual do homem (ideias vindas de Gathak e Kent).

Tive uma vocação médica muito precoce; porém me encontrava entre duas possibilidades: meu avô, um cirurgião de renome (Alfonso Masi) e meu pai, que praticava uma medicina considerada herege. Percebi que tudo que a medicina oficial não explicava era explicado pela Homeopatia, o que serviu para me afirmar como homeopata. Meu pai e Fish diziam haver algo mais profundo que a sexualidade: o espírito, que está comprometido na enfermidade humana. Não sabiam explicar como, eram intuitivos; captavam a ideia do espiritual como parte da enfermidade, como haviam dito Gathak, Kent e até mesmo Hahnemann, e seria onde estava a verdade; porém, não tinham conhecimentos suficientes para responder, o que só vim entender recentemente, quando percebi que Hahnemann percebia o homem de acordo com o pensamento de São Tomás de Aquino.

O primeiro homeopata de minha família não foi meu pai, mas minha avó (Marcela Elizalde de Masi); quando meu pai era criança havia em sua casa um livro de Medicina Homeopática Doméstica, de Hering, e uma farmácia homeopática. ”

De modo que nasci na Homeopatia. Comecei a estudar medicina na década de 50, me sobressaindo em anatomia: levei 12 anos para me graduar por envolvimento em questões políticas (contra o governo de Perón). Pude começar o curso de pós-graduação da Associação Médica Homeopática Argentina antes de me graduar por influência de meu pai, sendo considerado Professor Adjunto ao término do curso, em 1962.

A história disse que foi Paschero que encabeçou a separação com a Associação Médica Homeopática Argentina, porém fui eu que liderei a separação seguido por Paschero e outros, pois perdemos as eleições para os organicistas (Eizayaga) - que entendíamos como alopatas fazendo uma medicina melhor através da Homeopatia - e formamos a Escuela Homeopática Argentina, em 1971.

Rompi com Paschero em 1981, pois já começava a apresentar minha concepção atual dos miasmas e medicamento único para toda a vida, que eram rejeitadas sem oportunidade de argumentação, para fundar o Instituto Internacional de Altos Estudios Homeopáticos “J. T. Kent” com mais cinco colegas: Flora Dabbah, Frederico Fish, Juan Carlos Galante, Juan Gomes e Nora Caran; Maria Clara Bandoel saiu da Escuela e ficou sozinha, tem um curso à parte.

Em 1980, fiz o primeiro curso no Brasil (antes da separação), em São Paulo, depois no Rio de Janeiro, Goiânia, Brasília; na Europa, também na mesma época, começando na Itália (Florença); após o primeiro curso foi fundada na França, por Marilu, a Associação Francesa para Aprofundamento da Homeopatia Hahnemanniana (AFAHH); fiz cursos também na Espanha (em Sevilla e San Sebastian); na Bélgica (Bruxelas, Bient) também se formou outro grupo de estudos; na Alemanha (em Ausburg e Tetmolt), e na parte alemã da Suíça (Rige e Berna).

Uma coisa que discutia com meu pai é que ele seguia a filosofia antroposófica (mas não atuava); porém não conseguíamos progredir além do ponto em que Steiner diz ser o homem uma emanação de Deus, que vem a esta vida para aperfeiçoar-se e depois voltar a Deus, e ajudar em Seu aperfeiçoamento – o que eu considerava um absurdo pois Deus não precisa aperfeiçoar-se, ou não é Deus. Sou católico não praticante, fui formado no catolicismo tradicional, mas o que aumentou e fundamentou meu catolicismo foi a Homeopatia; o tomismo é citado por Hahnemann no primeiro parágrafo da “Medicina da Experiência”, havendo absoluta identidade com a questão 91, versículo terceiro da Suma Teológica. Eu falava de alma e espírito, repetindo o que haviam dito Hahnemann e Kent, porém não sabia o que exatamente era a alma; isto me fez estudar psicologia escolástica, chegando a São Tomás de Aquino, onde encontrei reprodução textual do escrito de Hahnemann na questão 91 da Suma Teológica. Não entendíamos a parte profunda da Homeopatia pois Hahnemann era tomista; então fui ler Hahnemann novamente, desta vez à luz dessas hipóteses e aí tudo se esclarece.

Em uma parte dos Escritos Menores Hahnemann cita Confúcio, o que pode ser justificado pois Confúcio tem uma posição muito similar às ideias positivistas; num primeiro momento Hahnemann foi positivista, depois passou a ser filósofo e depois começou a falar em essência da enfermidade, um conceito espiritualista. Portanto, devemos estudar Hahnemann tendo em mente que em suas obras há uma evolução de pensamento, não foram escritas depois de ter uma conclusão final e acabada; o que a princípio eram verdades absolutas, com a evolução de suas ideias seguem sendo verdades, porém relativas.

Não me importa qual religião Hahnemann seguia, mas que aceitava as ideias antropológicas, filosóficas e religiosas de São Tomás de Aquino, ou seja, falava como tomista e não como católico (entretanto, a Igreja Católica fala como São Tomás). São Tomás fundamentou na lógica as verdades de Deus - as Sumas Teológicas falam das escrituras, do revelado – levando à questão se era filósofo ou teólogo.

Kent declara que tudo que sabe de filosofia deve a Swedenborg, um homem de cultura extraordinária que aceitava muitas ideias de São Tomás, não sendo contraditório dizer que era tomista. Em “Lições de Filosofia Homeopática” encontramos contradições, tais como quando afirma que o micróbio não é causa mas resultado da enfermidade, e depois aceita para os miasmas venéreos o contágio pelo coito impuro”.

1 Trecho retirado da Monografia de Conclusão de Curso, apresentada por Fabio Mangolini à APH.